terça-feira, maio 25, 2010

HOMENAGEM AO MESTRE
ARMANDO NOGUEIRA

Para prestar uma singela homenagem ao grande mestre das palavras, das crônicas e do jornalismo esportivo brasileiro, nada melhor do que apresentar aqui um de seus textos, tirado do seu livro "O Homem e a Bola", lançado pela Editora Globo:

PRESENTE DO REI

Era um Vasco-e-Santos da Taça Brasil. O estádio em peso torcia pelo Vasco da Gama e fazia aquele barulho infernal que é sempre uma atração do Maracanã em dia de festa. Uma parte do público, pequena, era gente serena que lá estava, sem angústia nem bandeiras, muito mais para ver Pelé do que torcer por qualquer dos dois times.
O jogo tinha lá sua importância para a sorte dos dois times na taça de ouro. E, como sempre, o Santos era o favorito. Mas acontece que o Vasco da Gama parecia em dia de gala. Basta dizer que, já no primeiro tempo, o Vasco ganhava de dois a zero, sem que tivesse passado qualquer momento de susto. Era o dono do jogo. O Santos se movimentava pelo campo com aquele ar de fastio que costuma baixar na vida das grandes equipes.
Pelé, coitado, estava péssimo. Não conseguia acertar uma jogada; errava drible, errava passe, chutava mal. Vivia, enfim, o nosso rei, uma daquelas tardes negras de que falam os locutores de futebol quando querem qualificar de infeliz a performance de um craque.
Confiados na limpidez dos dois-a-zero e da superioridade técnica, os dois principais heróis do Vasco começaram, naturalmente, a cantar vitória com um papo irônico, na grande área:
- Ô Brito! – gritava o zagueiro Fontana, com malícia. – Cadê o rei?
- Que rei? – perguntava o outro beque.
- Ué, diserram que tinha um rei aqui no campo, que eu tivesse cuidado que ele ia estraçalhar a gente! Faltam dez minutos pra acabar o jogo e eu não consegui ver em campo o tal Rei do Futebol.
- Eu também não vi ele por aqui, não – dizia o Brito.
- Se ele passar por aí – gritava Fontana -, dá um alô meu pra ele!
Dois minutos depois da gozação, Pelé passa com um raio pelo meio dos dois, chuta no canto: gol do Santos. Um canto que ecoa em todo estádio sem assustar ninguém. Seria, no máximo, o chamado gol de honra. Afinal, faltavam três minutos para acabar o jogo. A vitória do Vasco já não podia ser ameaçada. Só um milagre.
A bola ao centro do campo. Faltam dois minutos. Saída do Vasco. O Santos retoma a bola, ataca em massa, Pelé arranca na linha média, dribla Fontana, passa ao largo por Brito, chuta cruzado, lá no último andar das traves: gol do Santos, dois-a-dois,
No embalo da jogada, Pelé vai até às redes, apanha a bola e, na volta, passando pela área, joga a bola na direção do Brito:
- Toma aí, Brito, dá pro Fontana. Fala que foi o rei que mandou pra ele...




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