quarta-feira, maio 19, 2010

ROLANDO BOLDRIN - ZÉ CAPIAU E O OUTRO
Incluindo a letra da canção TOADA DA REVOLUÇÃO

Estou postando aqui "proceis" um texto interessante do grande Rolando Boldrin, que retirei do livro de sua autoria "EMPÓRIO BRASIL" lançado pela Melhoramentos em 1987, infelizmente já fora de catálogo.  Pelo menos não consegui encontrar. É um texto inspirado no conto de Rubem Braga "Eu e Bebu", na linguagem caipira e tradicional do Boldrin contá lá os seus "causos".
Mas, antes, a letra da canção "Toada da Revolução" já que Boldrin recita esse texto junto com a música, na coletânea "Vamos Tirar o Brasil da Gaveta":

TOADA DA REVOLUÇÃO

(Rolando Boldrin)

Contei pra meu companheiro de moda
Uma história de revolução
Que eu vi contar em conversa de roda
Como coisas de assombração
Então esse meu companheiro de moda
Depois de me ouvir assombrado
Pediu que eu cantasse com ele no meu
Um refrão desesperado
Ai meu deus
Que mundo pra se endoidar, credo em cruz
Só se pagando em Jesus.
Ai meu deus
Que mundo pra se endoidar, credo em cruz

AGORA, O TEXTO DO LIVRO:
(Com vossa licença, irmão Rolando Boldrin...)

ZÉ CAPIAU E O OUTRO

Inspirado no conto “Eu e Bebu” de Rubem Braga



Ele, o Diabo, num entrô ansim, cumo num susto no meu rancho... Nem pelos buraco das parede de tábua, ou pelos vão das porta. Não sinhô. Passô, mais foi um dia intero cumigo... e uma noite. A gente começô andando por umas ruela, passemo pelos carreadô de café... e peguemo uma rua da cidade, sempre andando a pé... de quando em vez, proseando.



No começo, palavra de caboclo, eu tava meio descunfiado, amode que cismando. É ou não é? Eu... Mais um Diabo ansim o dia todo... lado a lado... Mas quando foi de tarde, eu já num chamava mais ele de Diabo, nem de Pé-de-Pato ou Pé-Preto, ou arrenegado... ou mesmo Berzebu... Era só, Bebu; e ele a me chamá de Zé, ou mió, de Zé Capiau, Zé pra cá, Zé pra lá, naquela véia intimidade de quando se é amigo há muito tempo, amigo de verdade.


De repende, passô por nois um pedidô de esmola, um preto véio, o Honório. Eu procurei nos borço uma moeda de tostão, que sempre dô tostão de ajutório, e o Bebu aí, me espantô... Num é que ele tirô uma nota grande de um conto de réis e ponhô na mão do esmolêro? E lá evamo nóis andando. A gente agora, proseava pouco, tava meio sem assunto, mas o tempo todo ali, caminhando junto. Passemo na frente do cinembra, resorvemo entrá. Sentemo perto de duas rapariga bonitinha, aí eu pensei cá comigo: - Hiii... Bebu é bem capaz de bolí cum elas, mas não; Ficô ali, cumo um cidadão, bem comportado... assistindo o firme anunciado, era uma firme muito divertido, desses de guerra e de sordado. Eu oiêi no escuro e vi uma morenaça de fazê gosto, me deu uma vontada de falá de amô, mas quando oiêi pra ele, me recriminava com os óio... palavra que fiquei envergonhado do jeito que ele me oiô. Bão. O firme cabô, saímo de lá, e toca a caminhá de novo, inté chegá na praça do povo, na praça principá. Paremo num bar, tomemo umas cerveja e tar, e aí sem nem pru quê, ele me pergunto:
- Escuta aqui, Zé Capiau? Ocê credita no Bem e no Mar?
- Sei lá, eu respondi.
– Pois existe, ele falô; mas num é cumo ocê pensa.
– Ara essa, que cunversa mais besta, Bebu, Bem e Mar? E ele continuou;
- Tá bão, Zé, deixa eu falá; O Bem e o Mar existe, pode ficá certo. Ocê morô lá em S. José? Num morô? – Quase dois ano. Êta lugarzinho parado, né? Lá tem prefeito, num tem? Pois muito bem. O prefeito acha que os banco do jardim deve de ser colocado na frente da igreja. Isso é o Bem. O homi que faz uposição ao prefeito acha que não. Ele acha que os banco deve de ser colocado na frente do coreto. Isso é o Mar.
- Bebu... eu disse – que ocê qué dizê com isso, agora?
Aí ele fico bravo, e gritô:
- Ocê cunhece a minha história. Eu fiz uma revolução contra Deus, perdi, fui vencido, excumungado, expursado, escorraçado, com toda valentia... mas nunca, nunca improrei pra ele, a tar de anistia. Deus me venceu pra todo o sempre, pra toda a eternidade. É o prefeito eterno. .. e eu me revortei, pensa que não? E pensa que foi atôa? Ocê cunhece o meu pograma de guverno, Zé?
Aí que eu num entindi mais nada, que num entendo dessas coisas trapaiada... de política. E ele entrão completô:
-Eu fui pra luta. E desde que o mundo inda nem era mundo, inté hoje, inté hoje sempre fui eu o Lúcifer. Mas só eu que tive peito de me arrevortá, e arriscá a vida e Tudo. Eu podia lhe contá o meu pograma de guverno, Zé. Mas ocê é tão Burro, tão Burro, que inté vô lhe dizê: - Essa joça desse mundo, cumigo num tava assim, não. Mas o que é que ele fez inté agora? A vida que ele organizo é uma miséria. Os homi num sofre? Num se atrapaia? Num se mata? Num véve fazendo burrada? Deus fracassô, Zé. Deus fracassô.
Só ai ele paro... quase chorando de réiva. Já era dia craro. O sór banhava agora os caminho da gente.
– Deve ser mais de sete hora, eu disse de repente, e ele perguntô:
- Pra onde ocê vai agora, Zé? Zé Capiau? Pra onde ocê vai, Zé cheio de preguiça?
- Vô drumi... eu disse. E ocê?
Ele, me oiando muito triste, disse:
– Eu? Eu vou à Missa.

Não deixem de visualizar o site do Boldrin, tem coisas realmente interessantes por lá.


Como ele mesmo diz: "TEM A CRENÇA, E TEM A DESCRENÇA..."

Um comentário:

Anônimo disse...

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